domingo, 24 de maio de 2020

Defendida por Bolsonaro, cloroquina aumenta risco de morte em pacientes, diz estudo

Defendida por Bolsonaro, cloroquina aumenta risco de morte em pacientes, diz estudo



CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES: Pesquisa divulgada pela Lancet testou 96 mil pacientes em todo o mundo e concluiu que, mesmo combinado com outros remédios, medicamento pode agravar a taxa de mortalidade em até 45%

Um estudo realizado com mais de 96 mil pacientes internados concluiu que o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina em pacientes com o novo coronavírus, mesmo quando associados a outros antibióticos, aumenta o risco de morte e de arritmia cardíaca nos infectados pela covid-19. Esta é a maior pesquisa realizada até o momento sobre os efeitos que essas substâncias têm no tratamento do vírus. A cloroquina é defendida pelo governo Jair Bolsonaro como primeira opção de tratamento, inclusive para pacientes sem gravidade.
"Nós fomos incapazes de confirmar qualquer benefício da cloroquina ou da hidroxicloroquina em resultados de internação pela covid-19. Ambas as drogas foram associadas à diminuição de sobrevivência dos pacientes internados e a um aumento da frequência de arritmia ventricular quando usadas no tratamento da covid-19", conclui o estudo liderado pelo professor Mandeep Mehra, da Escola de Medicina de Harvard, e publicado nesta sexta-feira, 21, na revista Lancet.

alguma variação ou combinação da cloroquina nas primeiras 48 horas de internação.
Entre os pacientes do grupo controle, ou seja, que não tomaram nenhuma das drogas, a mortalidade foi de 9,3%. Entre os que tomaram a hidroxicloroquina sozinha ou combinada com um antibiótico, o porcentual de mortos foi de 18% e 23,8%, respectivamente. Já entre os que tomaram a cloroquina, a mortalidade foi de 16,4% e, nos casos em que o remédio foi administrado com antibióticos, o índice subiu para 22,2%.
O estudo aponta também a falta de eficácia comprovada da medicação por pesquisas anteriores. "O uso dessa classe de drogas para a covid-19 é baseado em um pequeno número de experimentos anedóticos que demonstraram respostas variáveis em análises observacionais, não controladas e em ensaios clínicos aleatórios e abertos que foram amplamente inconclusivos."

Ministério da Saúde no Brasil recomenda uso da cloroquina

Na quarta-feira, 20, o Ministério da Saúde liberou a cloroquina para todos os pacientes de covid-19. Em documento, o ministério autorizou a prescrição do medicamento desde os primeiros sinais da doença causada pelo coronavírus. Embora não haja comprovação científica da eficácia do medicamento contra a doença, o ministério alegou, no documento, que o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou recentemente que médicos receitem a seus pacientes a cloroquina e a hidroxicloroquina, uma variação da droga. 
"Ainda não existe comprovação científica. Mas sendo monitorada e usada no Brasil e no mundo. Contudo, estamos em Guerra: 'Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado'.Deus abençoe o nosso Brasil!", escreveu o presidente em redes sociais ao comentar o protocolo divulgado pelo Ministério da Saúde para a prescrição do remédio. A defesa de Bolsonaro do uso da cloroquina levou à queda dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. 
Em nota, a pasta se limitou a dizer que “com base em estudos existentes e parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), além de experiência da rede pública na utilização da cloroquina, cumpre o princípio da equidade ao dar oportunidade de todos os brasileiros, com seus médicos, buscarem a melhor opção de tratamento contra o coronavírus”. Fontes do ministério dizem que ninguém acredita que a orientação do governo irá mudar com a publicação do novo estudo.
Também procurados pela reportagem, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) não se pronunciaram sobre possíveis implicações do novo estudo nas recomendações brasileiras sobre o uso do remédio. O CFM disse “estar acompanhando todos os trabalhos científicos relevantes relacionados ao tratamento da covid-19, dentre eles este publicado pela The Lancet.” Já a AMB afirmou que ainda está analisando o estudo.
Para Fernando Bacal, diretor científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia, embora sejam necessárias mais pesquisas sobre o uso do remédio em pacientes com quadros leves, o estudo da The Lancet traz mais um alerta sobre os riscos da utilização indiscriminada da medicação. “Ele reforça nossa recomendação de utilização desse medicamento só dentro de protocolos de pesquisa”, afirmou.
Nesta sexta-feira, 22, o diretor do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan, voltou a desaconselhar o uso da cloroquina no tratamento de pacientes do novo coronavírus. “Sabemos que o governo (brasileiro) aprovou o uso mais abrangente da cloroquina, mas, de acordo com as revisões sistemáticas da OMS, as evidências clínicas não apoiam o uso para tratamento da covid-19. Não antes que tenhamos resultados dos estudos em andamento”, disse.

Outros estudos 

Diversos estudos já comprovaram que não há eficácia comprovada da droga no combate ao novo coronavírus. Somente neste mês de maio, alguma das mais importantes revistas médicas do mundo - New England Journal of Medicine (NEJM), o Journal of the American Medical Association (Jama) e o British Medical Journal (BMJ) - publicaram estudos com resultados nada promissores.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também já havia alertado para os efeitos do uso cloroquina. A entidade já afirmou que não há eficácia comprovada do medicamento e aconselhou uso apenas em estudos clínicos. A recomendação foi feita nesta quarta-feira, 20. 
“Uma nação soberana tem o direito de aconselhar seus cidadãos sobre qualquer medicamento. Mas gostaria de destacar que, até agora, a cloroquina e a hidroxicloroquina não foram identificadas como eficazes para tratar a covid-19. Diversas autoridades já emitiram alertas sobre efeitos colaterais. A OMS aconselha que esse medicamento seja utilizado apenas em estudos clínicos supervisionados por médicos em ambiente hospitalar, como já ocorre em diversos países”, disse o diretor do programa de emergências do órgão, Michael Ryan. 

Fonte: Folha de São  Paulo





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