Faltam delegados em 25 Estados do país / Outro lado/ Estados dizem que farão concursos para contratar delegados / Déficit de policiais afeta investigação, dizem analistas
Levantamento mostra que déficit no Brasil é de 4.171 e que as unidades da Federação descumprem o fixado por leiB> Para especialistas, o déficit, a burocratização e a má distribuição de delegados prejudicam as investigações, principal função do cargo BR> Com mais de 100 mil habitantes e um dos maiores índices de homicídios do Maranhão, a cidade de Açailândia, na divisa com o Pará, tem de "dividir" um de seus três delegados com outros sete municípios da região. "A falta de delegado gera uma sensação de impunidade", diz o delegado regional de Açailândia, Eduardo de Carvalho.
A situação de Açailândia, que persiste há dois anos, está longe de ser uma exceção. O Brasil tem um déficit de 4.171 delegados, problema que atinge 25 Estados, inclusive São Paulo.
Apenas Sergipe e o Distrito Federal obedecem ao número fixado por leis estaduais. Pela legislação, o país deveria ter 15.475 delegados, mas possui 11.304. A quantidade ideal de policiais civis é aprovada por lei e calculada por critérios de cada Estado -geralmente proporcional à população e aos índices de criminalidade. Para especialistas, o déficit, a burocratização da Polícia Civil e a má distribuição de delegados prejudicam as investigações, principal função do cargo.
A Constituição determina que "às polícias civis, dirigidas por delegados" cabe apurar infrações penais, "exceto militares". Em números absolutos e proporcionais, o Ceará é o Estado em pior situação -531 delegados a menos de um total de 762 previstos em lei (déficit de quase 70%). No Estado, 130 dos 184 municípios não possuem delegacias, diz Nival Freire, secretário-adjunto da Secretaria da Segurança Pública.
O Ceará também tem a menor proporção de delegados por habitante: um para cada 35.434 pessoas. A média do país é de um para cada 16.276.
"As cidades têm promotor, juiz, vão ter agora defensor público, mas não têm delegado. A função do Estado fica prejudicada, pois é o delegado que investiga", afirma Francisco Moura, presidente do sindicato dos delegados.
A falta de delegados foi uma das queixas da categoria no último dia 29, quando delegados de 13 Estados e do DF pararam em apoio à greve de 59 dias da Polícia Civil em São Paulo.
No Rio Grande do Norte, 60% dos municípios não têm delegados, segundo o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil, Gustavo Santana. "A situação é desumana. Tenho que perambular pelas cidades", disse o delegado Inácio Lima Neto, que cuida de 16 municípios no Estado e que, segundo ele, não ganha nenhum adicional por isso.
Em São Paulo, onde faltam 211 delegados, a situação se repete. Vários deles, principalmente no interior do Estado, têm de acumular mais de uma delegacia. É o caso do delegado de Ourinhos (370 km de SP), que cuida da delegacia de Salto Grande (377 km de SP).
No Piauí e no Amazonas, os governos relataram que policiais militares fazem as vezes de delegados em alguns municípios desfalcados.
Colaboraram SÍLVIA FREIRE , da Agência Folha , e ANDRÉ CARAMANTE , da Reportagem Local
Outro lado/ Estados dizem que farão concursos para contratar delegados
Governos admitem déficit; SP diz que a tecnologia permite maior eficiência com menor número de delegados, mas fará contrataçõesFONT FACE="Arial">DA AGÊNCIA FOLHA
As secretarias estaduais da Segurança Pública, em sua maioria, reconheceram o déficit no quadro de delegados.
Treze Estados -AC, BA, CE, ES, GO, MA, MS, PB, PI, PR, SC, SP e TO- afirmaram que concursos para a contratação de policiais civis, inclusive de delegados, estão em andamento.
Oito Estados -AL, AM, AP, MG, MT, PA, RN e RS- disseram que há concursos programados para os próximos meses.
A maioria dos concursos não deve suprir o déficit, embora aumente o efetivo atual.
O governo do Maranhão confirma que há várias delegacias sem delegados no Estado -caso da região do município de Açailândia. Mas afirma que vai realizar um concurso para contratar cerca de 80 delegados.
Roraima, que tem a melhor proporção de delegados por habitantes -um para cada 5.073-, não informou se vai contratar novos delegados. Rio de Janeiro também não disse se vai realizar contratações. Pernambuco criou lei que facilita a promoção de policiais.
Rondônia não pretende abrir novos processos seletivos porque ainda prepara 20 aprovados do último concurso.
Embora cumprindo a lei, o governo do Distrito Federal considera que precisa de 600 delegados e encaminhou um projeto de lei para o Congresso para que possa contratar 200 profissionais a mais.
São Paulo, que tem 211 delegados a menos do que o previsto em lei, defende que, apesar do previsto em lei, não há déficit porque a tecnologia permite maior eficiência da polícia com menor número de delegados, informa a Secretaria da Segurança. Há um concurso em andamento no Estado para seleção de 147 novos delegados.
O governo do Ceará, que apresentou os piores índices, diz que construirá, até o fim deste mandato, 50 novas delegacias, com equipamentos modernos. Segundo Nival Freire, secretário-adjunto da Secretaria da Segurança, em três meses, 249 novos delegados serão formados pela academia de polícia e pelo menos 83 serão contratados imediatamente.
Em Santa Catarina, foi feito um estudo que mostra a necessidade de 618 delegados -mais do que os 450 previstos em lei e dos que os 302 atuais.
A Polícia Civil de Mato Grosso fez estudo parecido. A partir dele, traçou um plano de contratação de 36 delegados por ano, nos próximos dez anos.
Em Goiás, a Secretaria da Segurança considera que parte do déficit se deve à lei de aposentadorias especiais, que reduziu o tempo de trabalho.
O Rio Grande do Sul informou que o governo pretende repor os quadros funcionais.
CRISTINA MORENO DE CASTRO e CÍNTIA ACAYABA)
Déficit de policiais afeta investigação, dizem analistas
DA AGÊNCIA FOLHA
Especialistas em segurança ouvidos pela Folha afirmaram que o maior impacto causado pelo déficit de delegados no país é na abertura e conclusão de inquéritos criminais.
Para Rodrigo Azevedo, pesquisador do programa de pós-graduação em ciências criminais da PUC-RS, o enxugamento de gastos dos governos afetou os quadros da polícia e prejudicou as investigações.
"Boa parte das questões que chegam à polícia não é investigada, é arquivada. Isso desestimula as pessoas a encaminharem suas situações à polícia e reforça a sensação de impunidade", disse.
O coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da UnB (Universidade de Brasília), Arthur Costa, concorda que a falta de delegados afeta a apuração.
Azevedo lembra que o déficit é acentuado pela má distribuição do efetivo. "Não há racionalização, e a distribuição é feita muito mais por critérios políticos e corporativos, que pela necessidade social."
Para o coronel da reserva da PM José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança, o problema está mais no "formalismo" da polícia e na "desorganização" da distribuição de delegados do que no déficit. "Há muitas delegacias especializadas, muita burocracia e muitos desvios de delegados para atividades ostensivas e administrativas. Desse jeito faltam delegados para investigar." (CA e CMC)
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