terça-feira, 17 de outubro de 2017

Regra dificulta pena por trabalho escravo

Regra dificulta pena por trabalho escravo

Portaria do Ministério do Trabalho muda conceitos do Código Penal e modo de fiscalização em empresas; bancada ruralista apoia medidas

O governo baixou norma que dificulta a punição de empresas que submetem trabalhadores a condições degradantes e análogas à escravidão. Portaria publicada nesta segunda-feira, 16, no Diário Oficial determina que, a partir de agora, só o ministro do Trabalho pode incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo, esvaziando o poder da área técnica responsável pela relação. A nova regra altera a forma como se dão as fiscalizações, além de dificultar a comprovação e punição desse tipo de crime. 
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne deputados e senadores ruralistas, afirmou, em nota, que a norma vem ao “encontro” de pautas da bancada. A mudança ocorre às vésperas da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara.
Mudança contraria resolução das Nações Unidas sobre trabalho forçado. Foto: SERGIO CASTRO/AE
Na maior mudança na área desde a implantação do programa de combate ao trabalho escravo em 1995, a portaria 1.029, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, do PTB, contraria resolução das Nações Unidas ao prever que o trabalho forçado só será caracterizado sem consentimento do trabalhador. Antes, poderia se considerar que um trabalhador estivesse em regime análogo à escravidão, mesmo que ele aceitasse a proposta de trabalho só por comida.
A nova norma acaba com a autonomia dos fiscais do Ministério do Trabalho. Os grupos de fiscais terão de atuar sempre em companhia da polícia, que deverá fazer um boletim de ocorrência. No interior, sindicatos afirmam que os agentes policiais temem o poder de desmando de políticos e grandes grupos econômicos e, dificilmente, aceitam acompanhar fiscais do trabalho ou registrar BOs.
Pela portaria de Nogueira, as inspeções só serão válidas se o empregador autuado assinar o recebimento do relatório de fiscalização. Também estabelece que a inspeção dependerá da comprovação de existência de segurança armada no local. A portaria modifica os conceitos de trabalho análogo à escravidão definidos no Código Penal. O artigo 149 do código, por exemplo, prevê penas de dois a oito anos para escravagistas que impõem jornada exaustiva, trabalho forçado, trabalho em condições degradantes e servidão por dívidas. Segundo a portaria, essas quatro situações têm de estar associadas à restrição de liberdade dos empregados.
Braços dados. O Ministério Público do Trabalho (MPT) acusou o governo de dar os “braços” às empresas que escravizam. O coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT, Tiago Muniz Cavalcanti, avaliou que a portaria viola tanto a legislação nacional quanto compromissos internacionais firmados pelo Brasil. “O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), agora o ministério edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções da OIT. O Ministério Público do Trabalho tomará as medidas cabíveis”, afirmou.
Em nota, o Ministério do Trabalho afirmou que a Lista Suja, deve “coexistir” com os “princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”. Procurada pela reportagem, a assessoria do ministro disse que nada tinha a dizer além da nota.
O deputado oposicionista Alessandro Molon (Rede-RJ) disse que apresentará nesta terça-feira, 17, um projeto de decreto legislativo para sustar a mudança proposta pelo governo. “Temer parece desconhecer qualquer limite. Sepultar o combate ao trabalho escravo em troca de salvação na Câmara é escandaloso, além de brutal com milhares de brasileiros”, afirmou, em nota.
Integrante da bancada ruralista, o líder do PSD na Câmara, deputado Marcos Montes (MG), disse que a portaria era uma “demanda antiga” do setor. “O decreto constrói uma questão mais clara sobre a definição do que é trabalho escravo. A lista não vai mais poder ter excessos.” A FPA destacou em nota que a portaria “diminui” a “subjetividade” de análise de trabalho escravo, mas ressaltou que não participou de discussões com o ministério. A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que participou de discussões sobre a questão, não se pronunciou.
FONTE: ESTADÃO

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