sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O ACIDENTE TEM NOME, VALE!

O segundo turno das últimas eleições presidenciais foi definido entre dois candidatos nascidos em Minas Gerais: Aécio Neves e Dilma Rousseff. Um deles é tucano, a outra é petista, e ambos têm mantido um silêncio ensurdecedor sobre a responsabilidade da maior empresa mineradora do país na tragédia de proporções históricas que vitimou a população e o ecossistema do estado onde nasceram. Contudo, ambos conhecem muito bem a Vale S.A., privatizada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A empresa doou R$ 3.150.000 para o PT e R$ 3.100.000 para o PSDB nas últimas eleições, contribuindo com a campanha de ambos os presidenciáveis. Não importava quem tivesse finalmente mais votos: ambos deveriam a ela quase exatamente a mesma quantidade de dinheiro. E, claro, a generosidade da Vale não parou por aí: o maior beneficiário de sua bondade foi o PMDB, que recebeu R$ 11.550.000, quase a metade da caridade da empresa no último ano eleitoral. Também foram beneficiados o PSB, o PCdoB, o DEM, o PP, o Solidariedade, o PPS, o PSD, o PR e o PRB, somando um total de R$ 22.650.000 entre todos os partidos. No caso de Dilma e Aécio, ambos tiveram entre 6 e 8% do total da receita de campanha (seja por doação direta ou através do comitê financeiro) proveniente de empresas de mineração.

Para piorar essas relações entre a Vale e os poderes constituídos, vejam a seguinte equação: a Vale é controlada por uma holding chamada Valepar que, por sua vez, é controlada pela Previ, um fundo de pensões que é controlado pelo Governo. É suspeito, pra dizer o mínimo, que uma empresa com participação do Estado seja doadora de mais de 20 milhões de reais a quase todos os partidos políticos. Quanto mais se procura, mas se vê como é podre esse tipo de relação.

Vocês já devem ter notado qual é o partido com representação no parlamento que não está na lista de beneficiários desses empresários, não é? Isso mesmo: o PSOL não aceita dinheiro deles.

Eu sempre digo — e vou repetir aqui — que a corrupção não é um problema apenas moral. A relação promíscua entre a política e o capital, seja legal ou ilegal, com recibo ou sem ele, não afeta apenas a decência pública. A principal consequência dessa relação que permite às principais empresas do país decidir quais candidatos e quais partidos terão mais dinheiro para fazer campanha — e portanto mais chances de vencer as eleições — é que, depois, os funcionários eleitos no executivo ou no legislativo têm com essas empresas uma dívida muito mais cara e mais difícil de pagar que com a população que os elegeu. E sabem que precisarão delas quatro anos depois para serem reeleitos. Quem perde com isso? O povo pobre arrasado pela lama, o rio que não é mais o rio, como canta o espanhol Joan Manoel Serrat, e as cidades inteiras destruídas por uma tragédia que poderia ter sido evitada se cada um dos poderes públicos encarregados de impedi-la não estivessem em dívida com a empresa que a provocou.

Vejam até que ponto essa relação entre política e capital tem tudo a ver com o que aconteceu em Mariana e pode vir a acontecer em outras partes do Brasil. A comissão especial criada pela Câmara dos Deputados para emitir parecer sobre o projeto de novo Código de Mineração, que regulará a atividade de empresas como a Vale, está presidida por um deputado que teve quase 20% de sua campanha financiada por empresas mineradoras e uma porcentagem semelhante se repete no caso dos seus três vice-presidentes. O relator da comissão, que deu parecer favorável ao projeto, teve nada menos que 42% de sua campanha (que arrecadou quase 5 milhões) financiada por empresas mineradoras. A lista de doadores da maioria dos integrantes da comissão está cheia de empresas ligadas a essa atividade. Precisa desenhar?

Não tem como entender o silêncio de Dilma e Aécio e a atitude vergonhosa do governador petista Fernando Pimentel, que fez uma coletiva de imprensa na sede da Samarco e chegou a dizer que "a empresa está fazendo tudo o que tem que ser feito". É tudo tão explícito que chega a ser obsceno.

Em 2010, um vazamento de 780.000 m³ de petróleo no Golfo de México provocou um dos piores desastres ambientais da história dos Estados Unidos. O presidente Barack Obama foi categórico: ele responsabilizou a empresa BP e afirmou que teria que pagar pelo dano que causara. E, como lembra o professor Idelber Avelar, que mora nos EUA, "pagaram 4 bilhões de dólares, depois de serem indiciados por crime ambiental e homicídios culposos em ação movida pelo Executivo". O vídeo com o pronunciamento de Obama está disponível no Youtube, para quem quiser assistir: https://youtu.be/Ya6Av7uecbg. Agora comparemos com as palavras de Pimentel: "A barragem rompeu, é uma tragédia. Está sendo um esforço grande do governo do Estado e das prefeituras locais e a empresa está cuidando do que ela é responsável". Faltou ele usar uma camisa com a logo da Vale.

Não, não estou comparando o Brasil com algum país socialista, mas com a maior economia capitalista do planeta. É assim de longe que estamos do mínimo de vergonha na cara que precisa ter um país. Repito: precisa desenhar?


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Fonte dos dados: http://ibase.br/pt/wp-content/uploads/2015/09/quem-e-quem-comite-2014.pdf


Por Jean Wyllys

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