domingo, 21 de fevereiro de 2021

INÍCIO POLÍTICA CONTRAMÃO Com piora no serviço, 884 empresas foram reestatizadas no mundo após privatização

 


CONTRAMÃO

Com piora no serviço, 884 empresas foram reestatizadas no mundo após privatização

Referência para o sistema capitalista, os EUA figuram na terceira posição do ranking de reestatizações; Europa lidera

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
 

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Referência na distribuição e na comercialização de combustíveis, BR Distribuidora foi privatizada pelo governo Bolsonaro em julho deste ano
Referência na distribuição e na comercialização de combustíveis, BR Distribuidora foi privatizada pelo governo Bolsonaro em julho deste ano - Foto: Agência Brasil/Arquivo

Uma das pautas prioritárias do governo de Jair Bolsonaro (PSL), sob o comando do ministro da Economia Paulo Guedes, a privatização de empresas públicas brasileiras segue colecionando críticas de especialistas que afirmam que o Brasil está caminhando na contramão do mundo.

Uma pesquisa realizada em 2017 pela entidade holandesa Transnational Institute (TNI) identificou a ocorrência de pelo menos 884 casos de reestatização, entre os anos de 2000 e 2017. No total 835 empresas que haviam sido privatizadas foram remunicipalizadas e outras 49 foram renacionalizadas.

Segundo o mapeamento, a tendência se mostra mais forte na Europa, onde somente Alemanha e França respondem por 500 casos, mas é observada também em outros lugares do globo, como Japão, Argentina, Índia, Canadá e Estados Unidos. Um dos países de maior referência para o sistema capitalista, os EUA figuram na terceira posição do ranking, tendo registrado 67 reestatizações no período monitorado pela TNI.

A TNI aponta que, nesses lugares, a prestação dos serviços públicos sofreu alta no preço e queda na qualidade. Nesse sentido, a presidenta da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal nas Américas (Contram), Vilani Oliveira, afirma que a perspectiva neoliberal -- que dá sustentação às privatizações -- contrasta com o interesse público.

“Mesmo nos países mais desenvolvidos no centro do capitalismo, embora, para eles, seja vantagem, seja negócio [a venda], pelo fato de ter lucro, quando sofrem a pressão popular, eles se veem obrigados a mudar as regras do jogo”, pontua.   

O processo de reestatização de empresas públicas ganhou fôlego especialmente do ano de 2009 para cá, quando foram registrados mais de 80% dos 884 casos mapeados. Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social, Sandro Oliveira Cezar, que acompanha com atenção o tema na esfera internacional, o marco está ligado à crise econômica mundial que eclodiu no mesmo ano.

“Prestar alguns serviços essenciais de natureza pública custa caro e só o Estado é capaz de fazer com qualidade. Com a crise, o setor privado se retira porque não consegue obter os lucros absurdos que ele sempre pretende quando vai pra essa área, como é o caso das de fornecimento de água e de limpeza urbana. Investir em infraestrutura nessas atividades custa caro e sempre é assim: o Estado faz o melhor investimento e, depois, elas [as empresas] exploram o serviço. Como isso tem um ciclo, acaba, no final da história, voltando pro Estado esse papel porque os serviços são essenciais à população”, destrincha Cezar.

De Temer a Bolsonaro

 


Michel Temer e Henrique Meirelles incluíram, em abril de 2018, a Eletrobras no Plano Nacional de Desestatização (Foto: Beto Barata/PR)

No Brasil, o projeto de desestatização de empresas públicas se intensificou durante o governo do emedebista Michel Temer (2016-2018), quando se iniciaram, entre outras coisas, o fatiamento de empresas da Eletrobras e a tramitação do processo de fusão da Embraer, companhia brasileira do ramo de aviação, com a empresa estadunidense Boeing. A operação atualmente é alvo de questionamentos no âmbito da Comissão Europeia, Poder Executivo da União Europeia, que aponta risco de redução da concorrência no mercado.

Sob o governo Bolsonaro, o país tenta implementar um plano venda de estatais comandado pelo ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, que tem prometido grandes privatizações em 2020. Em agosto, foi apresentada uma lista com o nome de 17 empresas a serem vendidas pelo governo, como CorreiosTelebrasCasa da Moeda e Serpro.  

Mas a cartilha já começou a ser executada. Em julho, o governo vendeu parte da BR distribuidora, subsidiária da Petrobras, pelo preço de R$ 8,6 bilhões. Com isso, a participação da estatal na empresa reduziu de 71,25% para 41,25%. De modo geral, a área de energia está entre as mais visadas pelos atores que defendem as desestatizações. Também se somam a ela os serviços de água e transporte, por exemplo.  

E se os EUA privatizassem a Nasa?

Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que o Brasil possui um total de 138 estatais federais. O número atinge a marca dos 400 quando são contabilizadas as empresas ligadas a estados e municípios. Entre os argumentos colocados por Guedes para defender a venda das companhias, está o de que o Brasil teria um número excessivo de estatais.

A afirmação é contestada por especialistas, como é o caso do analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), para quem a lista de privatizações do governo tende a comprometer aspectos considerados elementares, como a soberania nacional. 

“Na verdade, esse debate sobre estatais está colocado sobre uma base errada. Não é o fato de termos demais ou de menos, e sim de termos em setores estratégicos. Dá pra imaginar os Estados Unidos com a Nasa privatizada?  A Nasa é estatal. E é importante que se diga que o setor estatal é vital pro desenvolvimento de um país, sobretudo em setor estratégicos. Água é um ativo estratégico, energia é estratégica, tecnologia é estratégica”, enumera o analista.

A pauta das privatizações de empresas públicas encontra resistência também nos segmentos sociais. Uma pesquisa Datafolha divulgada no mês passado mostrou que 67% dos brasileiros rejeitam a ideia.

Edição: Rodrigo Chagas

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